LUIZ ZERBINI

NO PAÍS DAS MARAVILHAS

Por Ramon Mello (SaraivaConteúdo – 2010)

 

Luiz Zerbini / Foto divulgaçãoEm 2010, Alice no país das maravilhas, o famoso livro de Lewis Carrol, ganhou edição especial pela editora Cosac Naify, com tradução do historiador e professor da Universidade de Harvard e da USP, Nicolau Sevcenko, e ilustrações do artista plástico paulista Luiz Zerbini. Após rejeitar o convite para conceber as ilustrações, Zerbini demorou três anos para finalizar o trabalho. Resultado? Ele conseguiu recriar as famosas cenas do mundo fantástico de forma original, utilizando cartas de baralhos, colagens e tesoura. Ele é pintor, escultor, cenógrafo, escritor, compositor e essa multiplicidade se reflete em sua criação.

Surgido com a Geração 80, Luiz Zerbini desenvolveu sua pintura misturando imagens narrativas com cenas domésticas, panoramas e flagrantes urbanos. Nos últimos anos, ele divide o tempo entre seu ateliê e as exposições e apresentações do grupo Chelpa Ferro, coletivo de instalações sonoras composto por Barrão, Sérgio Meckler e o artista.

Durante a passagem pela Festa Literária Internacional de Paraty de 2010, o artista conversou com o SaraivaConteúdo, revelando os bastidores do processo de criação de seu trabalho.

Como iniciou seu contato com o mercado editorial?

Luiz Zerbini – Eu já tinha feito, na Cosac Naify, um livro sobre meu trabalho, Rasura (2006), que demorou muito tempo para sair. Mas que fiquei muito feliz. Dentro do livro, algumas pinturas, a parte mais figurativa do trabalho, sugerem muitas ilustrações… Dá para imaginar porque eles me convidaram para ilustrar o livro Alice no país das maravilhas. Têm algumas pinturas lisérgicas…

Você aceitou o trabalho de imediato?

LZ – Eu neguei o convite porque não conseguia… Tenho uma relação de escala com o trabalho, nunca consegui fazer menor. São pinturas de três por três metros, com muitos detalhes… Eu demoro muito tempo para fazer, seis, oito meses… Quando é muito rápido, quatro meses. Então, inviabilizou essa ideia de fazer o livro com pinturas figurativas, iria demorar anos para fazer. Ao mesmo tempo, não é um livro que eu tivesse interesse. Não sou um cara aficionado com a história da Alice, não gosto da onda, nunca foi fácil ler.

Fica perturbado com a leitura?

LZ – É, perturbado. (Toca celular de Zerbini, interrompendo a entrevista). Então, se eu fosse escolher um livro para ilustrar não escolheria esse (Alice no país das maravilhas). Aliás, não escolheria nenhum. Nunca me vi como um ilustrador, a não ser de minhas próprias histórias. As vezes que tentei ilustrar nunca deram certo, nunca publicaram nenhuma das ilustrações… (risos) Eu desisti, nunca dava certo. Sou complicado, o trabalho é complicado.

Apesar dessas tentativas, as ilustrações foram muito elogiadas. Pode-se afirmar que o livro é um sucesso. Como foi a criação deste trabalho?

LZ – Fui fazendo sozinho… O combinado é que seriam 12 ilustrações, mais uma abertura para cada capítulo, 24 no total. O primeiro capítulo que pensei foi o da Rainha de Copas, porque o baralho é um trabalho gráfico. Achei que esse era o começo porque conseguiria achar uma linguagem no universo do baralho. Mas nunca imaginei que faria o livro inteiro com baralho, nem com recortes. Peguei uma carta de baralho e montei a dama, recortei como se fosse um bonequinho. Fiquei muito surpreso com o resultado, parecia uma figura cubista. Pensei: “Vou fazer o exército todo da Rainha de Copas!” Fiz, e fiquei muito feliz. Criei outro problema, era tridimensional, só complicava o livro. Pensei em colocar essas figuras no cenário. As cartas iam sugerindo muita coisa… Comecei a procurar baralhos, fui à Praça XV, no Rio de Janeiro, numa feira que vende coisas no chão, debaixo do viaduto.

Feira de quinquilharias…

LZ – É, quinquilharias. Chamam de “shopping chão”. Conheci um cara que vendia vários tipos de baralhos, a maioria de mulheres nuas… (risos) Nestes, de mulheres, encontrei uma rainha. E o coringa era uma pin-up de costas, olhando para trás, de perna aberta. Eu estava muito distante do livro, fui fazendo um trabalho paralelo.

Também foram feitas algumas maquetes.

LZ – Sim, fui fazendo algumas maquetes. Depois fui fotografando. Achava que tinha demorado dois anos, mas me falaram na editora que demorei três. Fiquei muito surpreso que demorei tanto tempo.

E o trabalho resultou em 31 ilustrações.

LZ – No livro tem 31, mas só para o primeiro capítulo fiz mais de 30.

Sobre sua trajetória nas artes plásticas: você ganhou notoriedade nos anos 1980, desde então se tornou uma referência nas artes plásticas. Como você avalia o cenário da arte contemporânea?

LZ – Estamos vivendo um momento ótimo no Brasil. Ao longo dos anos, as instituições, os artistas, os colecionadores foram ficando sólidas. O Marcantônio Vilaça, nos anos 1980, conseguiu colocar artistas jovens brasileiros no mercado mundial. Isso impulsionou muito. Estamos vivendo um momento legal hoje em dia.

Que jovens artistas despertam o seu interesse?

LZ – Há vários, nem sei se são jovens. Mas não citaria nenhum.

Fale um pouco sobre sua atuação com o coletivo Chelpa Ferro.

LZ – O Chelpa Ferro é um grupo que faz instalações sonoras. Somos três: eu; Barrão, escultor; e Sérgio Meckler, editor de cinema. Somos amigos há anos, muito antes do Chelpa. Sempre tive vontade de trabalhar com outras pessoas. Mas, em 1995, o Chacal, poeta, nos convidou para participar do CEP 20.000. O Barrão me ligou para montar uma banda para se apresentar no CEP. Éramos 10 guitarristas, que não sabiam tocar. Uns 10 minutos de música, foi um sucesso… (risos) Nos apresentamos três vezes. E o Chico Neves, na época o maior produtor de música do Rio de Janeiro, convidou o grupo para gravar um disco. Fomos para o estúdio gravar, fizemos uma colagem e depois lançamos nosso primeiro CD, o Chelpa Ferro 1. Depois fizemos instalações sonoras que reproduziam as faixas dos discos, foi a primeira vez que nos apresentamos. Surgiram convites para participar de exposições… Foi tudo dando certo, muito além do que poderíamos imaginar.

No Asdrúbal Trouxe o Trombone, você também trabalhou como cenógrafo…

LZ – Não só como cenógrafo, trabalhei como ator durante A farra na terra (1983). Nunca tinha trabalhado com teatro. Eu e o Leonilson fomos convidados pela Patrícia Travassos e o Evandro Mesquita para assistir o espetáculo. E conversando, eles disseram: “Não querem fazer o cenário?” Fizemos o cenário e ficamos amigos… E depois fui fazendo algumas participações como ator.

De que forma a literatura interfere no seu trabalho de artes plásticas?

LZ – Sou um leitor tardio. E não sou um leitor voraz. Tenho dificuldade de concentração, disperso. É muito difícil para mim, comecei a ler muito tarde. Sou de uma família de classe média de São Paulo, fui muito mal orientado. O primeiro livro que me influenciou foi Assim falou Zaratustra, do Nietzsche, que li muito garoto. Esse foi um livro marcante, gosto de ler filosofia. Outro livro foi Entrevistas com Francis Bacon (Cosac Naify, 2007), do David Sylvester.

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